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17 de dez. de 2010

Dinheiro que dá em árvore

Acordos de Cancún ratificaram a insensibilidade às demandas sociais e o projeto do mercado como solução para as mudanças climáticas
Não bastam os diversos desastres ambientais registrados mundo afora. O documento elaborado em Cochabamba, Bolívia, durante a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas, na qual estavam mais de 35 mil pessoas em abril deste ano, tampouco foi suficiente. Não bastaram os mais de 200 protestos realizados em 37 países no marco da jornada de lutas “Milhares de Cancún”. Também não bastaram as duas marchas puxadas pela Via Campesina e os três fóruns realizados – por distintas organizações sociais – paralelamente à Conferência do Clima da ONU (COP 16) em Cancún, México.
Nas palavras do equatoriano Luis Andrango, dirigente da Coordenadoria Latino-Americana de Organizações do Campo (Cloc), “a COP 16 discutiu só soluções de mercado para os efeitos da crise climática que criou e deixou nas mãos do povo, de novo, o dever de enfrentar as suas causas”.

Acordos
Por um lado, a constatação de Andrango se comprova por um não acordo. Nada foi definido na COP 16 sobre a renovação do Protocolo de Quioto, que expira em 2012. Portanto, nenhuma meta juridicamente vinculante foi estabelecida sobre redução das emissões de gases de efeito estufa. O texto de Cancún prevê apenas o estabelecimento de metas voluntárias por parte dos países e, ainda, permite a elevação da temperatura global em 2°C, com previsões de revisão desse objetivo, entre 2013 e 2015, para 1,5°C.
Por outro lado, os acordos mais importantes tirados em Cancún estabelecem a operação de um Fundo Verde que deverá “mobilizar” 100 bilhões de dólares por ano, até 2020, para combater o aquecimento global em países pobres. O Banco Mundial será seu tesoureiro. Também foi aprovado o programa de Redução de Emissões procedentes do Desmatamento e Degradação (REDD), para financiar a “proteção” de florestas.
Diante do fracasso da COP 15, em Copenhague, Dinamarca, os acordos de Cancún foram celebrados pelo comitê organizador mexicano como uma vitória do multilateralismo e foram motivos de aplausos entusiasmados por parte de quase todas as delegações oficiais.

A voz da oposição
Coube à Bolívia – e, em menor intensidade, aos países da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e às nações insulares – manter a posição firme pela definição de metas obrigatórias e contrária a mecanismos de mercado como solução. Em comunicado oficial, o governo boliviano considerou os acordos como uma “vitória vazia e falsa, imposta sem consenso e seu custo será medido em vidas humanas”.
Para a Bolívia, houve uma campanha deliberada, pós-COP 15, para reduzir as expectativas de um acordo realmente comprometido e, durante a COP 16, uma campanha para isolar o país. Em seu último pronunciamento na conferência, o embaixador da Bolívia na ONU (Organização das Nações Unidas), Pablo Sólon, exemplificou a manobra:
“As propostas de Cochabamba foram incorporadas ao texto de negociação, entretanto, o texto de Cancún excluiu sistematicamente essas vozes (...) Em termos de florestas, propomos um mecanismo para deter o desmatamento que não nos dirija a lançar um mercado de carbono (...). Mas, como se fosse mágica, só incluíram mercados, e os outros mecanismos não são mencionados. Não se menciona diretamente o mercado de carbono, mas apontam diretamente ao mercado, porque querem pôr preço nas árvores (...). Quando a Bolívia disse que não estava de acordo com o texto nas últimas horas da conversação, a objeção foi rechaçada.”
Por considerar que o acordo final violou o regulamento da ONU na aprovação de documentos, a Bolívia anunciou que recorrerá à Corte Internacional de Justiça de Haia para contestar as resoluções da COP 16.

Problemas nos acordos
Solón também criticou a forma como se desenhou o Fundo Verde, pois a gerência do Banco Mundial nunca foi um consenso e porque não se definiu a origem dos recursos. O embaixador defendeu que os países desenvolvidos arcassem integralmente com esse fundo, como forma de pagar sua dívida climática, e que se estabelecesse claramente percentuais, para evitar ou limitar, por exemplo, que os investimentos de empresas na compra de créditos de carbono representem parte considerável do Fundo Verde. Nesse sentido, a Bolívia solicitou que o verbo da expressão “mobilizar recursos” fosse substituído por “prover”, mas ela não foi atendida.
A tolerância em relação ao aumento da temperatura global em 2°C também foi criticada. “Para a Bolívia, isso significaria a desaparição de nossas montanhas com neve perene, tomando em conta que nos últimos 20 anos perdemos um terço delas. Segundo o próprio IPC [instituto de pesquisa da ONU], a elevação de 2°C só dá 50% de probabilidade de que não haja um impacto irreversível para a vida no planeta”, disse Solón.
A Bolívia também denunciou como descaso da COP 16 o fato de não haver uma menção sobre a criação de um Tribunal de Justiça Climática sobre os impactos das guerras nas mudanças climáticas e sobre o início de um processo oficial de debate da Declaração de Direitos da Mãe Terra.

REDD
De acordo com a pesquisadora Silvia Ribero, o REDD é o pior ponto desses acordos. A ideia do programa é compensar economicamente quem deixe de desmatar. “Por isso dizem ‘desmatamento evitado’: primeiro, há que se desmatar, para depois vender ou deixar de fazê-lo. O REDD premia como ‘desmatamento evitado’ até aqueles que deixam 10% da área original de pé”, explica Ribero.
A quantidade de carbono que se deixa de emitir ao se evitar as queimadas e os cortes se transformam em créditos por compensação de emissões de carbono, que podem ser vendidos a governos ou empresas dispostas a pagar por delegar a terceiros sua responsabilidade. Ao programa original, agregaram-se as versões REDD+ e REDD++ – ainda não sacramentadas pela ONU –, que incluem pagamentos por acrescentar capacidade de armazenar carbono e por conservação e manejo sustentável da floresta.
De acordo com a pesquisadora, no primeiro caso, se paga por colocar, no lugar da vegetação devastada, monocultivo de árvores, como o eucalipto, por exemplo, conhecido por danificar o ecossistema em que está localizado. No segundo, agentes externos dirão às comunidades o que se pode fazer ou não com seu território, de modo a garantir a capacidade de absorção de carbono. Estas, por sua vez, “assinarão ‘voluntariamente’ a alienação do manejo autônomo em troca de alguns ‘pesos’ [dinheiro]. Empresas altamente poluentes comprarão essa capacidade para seguir contaminando e ainda poderão revender seus créditos de carbono em um mercado secundário, onde se registra o maior volume monetário dos mercados de carbono. Ou seja, venda e revenda de, literalmente, ar puro”, concluiu.
Apesar das previsões de Ribero, a forma como se financiarão as ações de REDD ainda não foram definidas pela ONU. Estão em jogo a possibilidade de financiamento exclusivamente por meio de fundos públicos ou a permissão para participação do mercado de créditos de carbono. Entretanto, a COP 16 adiou essa decisão para o ano que vem. (Leia mais na edição 407 do Brasil de Fato, já nas bancas)

15 de dez. de 2010

CONCLUSÕES DAS NEGOCIAÇÕES DA COP 16 - CANCÚN

A segunda semana da COP foi um pouco menos movimentada do ponto de vista de side-events internacionais. Eles seguiram as tendências da primeira semana, especialmente os de finanças e agricultura. Os dois grandes destaques que tomaram conta do período foram as negociações ministeriais e os eventos que envolveram o Brasil.

Visão Geral das Negociações
Como é de praxe, a segunda semana de negociações foi liderada por chefes de Estado e ministros de diversos países. Dentro dessa nova estrutura, a importância de negociações bilaterais tornou-se mais evidente, sendo estas realizadas dentro do processo de transparência prometido pelos líderes da conferência. Para facilitar esses debates, foram selecionados dois países: a Inglaterra, como facilitadora das discussões da Ação Cooperativa de Longo Prazo (LCA), e o Brasil, para as discussões do Protocolo de Quioto (KP).
A escolhida para liderar a delegação brasileira e, logo, facilitar as discussões bilaterais, foi Izabella Teixeira, a nossa ministra do Meio Ambiente. Demonstrando conhecimento tanto técnico como político do conteúdo das negociações, sua atuação como facilitadora foi elogiada de forma unânime dentro da conferência. Foi ressaltado ainda o efeito positivo da interação da delegação brasileira com a China, Japão e Estados Unidos, alcançando uma evolução nos posicionamentos de cada país que foram refletidos no texto final da conferência.
Após uma semana de intensas negociações e crescentes expectativas, a conferência surpreendeu a todos com um acordo internacional. Relativamente denso, sua maior contribuição é dar novo fôlego às negociações, alcançando uma evolução considerável nas áreas de finanças climáticas e do tratamento da questão da redução de desmatamento.

No que se refere a finanças, o acordo cria o Green Climate Fund, com o objetivo de investir US$ 100 bilhões anuais até 2020. As principais características desse fundo são:

  • Foco na elaboração de projetos de adaptação e desenvolvimento de baixo carbono em países de menor desenvolvimento relativo.
  • Comitê de gestão composto por um grupo de 24 membros de países desenvolvidos, em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo.
  • O gestor de ativos e trustee deste fundo será o Banco Mundial, posição a ser reavaliada após os primeiros três anos do fundo.
  • Um Comitê de Transição será responsável pela estruturação do fundo, contando com 40 membros de diferentes regiões do mundo. A América Latina contará com sete participantes.

A criação do fundo representa um grande avanço para a convenção. Porém, possui pouco efeito prático para o Brasil, uma vez que, dentro da descrição citada acima, não seriamos possíveis recipientes desse financiamento. Por outro lado, o País pode se posicionar como provedor de soluções e tecnologias a serem utilizadas para alcançar a adaptação e mitigação financiadas pelo fundo em outras nações.
Na questão de florestas, o acordo formaliza o chamado quadro de REDD+, que inclui as seguintes atividades em países em desenvolvimento:

  • Redução de emissões por desmatamento;
  • Redução de emissões por degradação de florestas;
  • Conservação de estoques de carbono;
  • Manejo sustentável de florestas;
  • Aumento de estoques florestais.

Desta forma, a convenção dá um importante passo para a criação de maiores diretrizes sobre REDD, tendo como um dos focos a conservação de estoques de carbono. Nenhum mecanismo é criado a partir deste acordo, o que é determinado é a necessidade de diretrizes nacionais focadas em desmatamento, especificamente:

  • Uma estratégia nacional de redução de desmatamento;
  • Um ou mais níveis de referência nacionais ou regionais;
  • Um sistema de monitoramento e reporte robusto ;
  • Um sistema que lide com a questão de salvaguardas.

Em outras palavras, o acordo começa a instituir uma base sólida para a criação de novos mecanismos para lidar com estoques de carbono em países em desenvolvimento. A questão de financiamento ainda permanece aberta, porém, o acordo ‘urge’ os países a apoiarem, por meio de canais multilaterais e bilaterais, o desenvolvimento de políticas e a implementação de ações nas atividades mencionadas, de acordo com as circunstâncias e capacidades nacionais.
Um aspecto final importante a ser reconhecido pelo acordo é a necessidade de metas mais ambiciosas para um futuro próximo. Embora esse reconhecimento seja importante, não existe indicação de como a busca por essas metas será desenvolvida. Os documentos acordados no final da conferência podem ser encontrados em sua versão final no site da UNFCCC http://unfccc.int/2860.php.
A vitória final também veio para o Protocolo de Quioto, que teve sua existência ameaçada diversas vezes durante a conferência. O acordo final do Protocolo reconhece que o processo de discussão deve continuar e alcançou também alguns consensos como:

  • O Ano base para as emissões do próximo período de compromisso será 1990;
  • Mecanismos de Flexibilização e de mercado serão utilizados para o alcance de metas;
  • O GWP continuará sendo utilizado como a métrica para projetos e metas.

Porém, muitos indicam como o maior sucesso da conferência o simples fato de que um processo multilateral alcançou um consenso. Isso dá esperança para as próximas negociações, indicando uma mudança de mindset de diversos países em prol de uma ação conjunta. A exceção que impede o acordo de ser considerado um consenso geral de todas as partes é a Bolívia. O país desde o início do ano vem bloqueando as negociações em diversos âmbitos, especialmente no que se refere a mecanismos de mercado.
Resta-nos continuar acompanhando os desenvolvimentos das próximas negociações pré COP-17, buscando constatar que essa mudança de mentalidade realmente se instaurou na UNFCCC.

 
Eventos Paralelos
Megaeventos

Um tema que foi abordado diversas vezes durante a conferência e que merece uma atenção especial são os eventos a serem sediados no Rio de Janeiro nos próximos anos. Dentre esses ‘megaeventos’ temos a Conferência Rio+20, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Os olhos estão certamente voltados para o Brasil e se espera que a sustentabilidade seja parte fundamental da organização de todos esses eventos.
Essas discussões foram lideradas pela prefeitura do Rio de Janeiro e contaram com o apoio de outras instituições como o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e a Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono (ABEMC). A discussão sobre o legado a ser deixado por essas conferências envolveu diversas partes interessadas, tanto nacionais como internacionais. Tudo indica que a ambição do governo do Rio é grande, mas que ainda há muito a ser feito.
Existe uma grande demanda por sugestões de novos projetos a serem implementados nos próximos anos que visam ‘remodelar’ o Rio de Janeiro, tornando a sustentabilidade uma parte fundamental do dia a dia da cidade. Desenvolvedores de projetos estão sendo encorajados a apresentarem propostas a serem implementadas nos próximos anos.

 
Política Nacional de Mudanças Climáticas
Durante a segunda semana de negociações o Brasil esteve em evidência diversas vezes. Recebeu posição de destaque especialmente em uma das publicações mais importantes da conferência, a ECO, organizada por diversas ONGs. O País foi reconhecido por seus esforços na redução de desmatamento, sendo nosso novo recorde considerado um exemplo a ser seguido por outros países.
Dentro dessa discussão, surgiram rumores de que os planos setoriais da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) já estariam prontos e seriam logo revelados. Em um evento paralelo no Espaço Brasil, foi detalhado um desses planos, do setor de agricultura. O Plano ABC - Agricultura de Baixo Carbono conta com alguns pontos interessantes:

O papel da agricultura no combate a mudança do clima é significativo, a questão entrou para o debate e não deve mais sair. O foco está em agregar valor à atividade agrícola através da modernização e aumento de eficiência dos processos, com ações divididas como segue:

Ações de Mitigação
As ações de mitigação previstas pelo plano setorial focam em: capacitação; assistência técnica; estudos de mercado; evolução do sistema de financiamento e concessão de crédito; processo de certificação, visando incentivar melhores práticas; e pesquisa, assegurando a evolução tecnológica e monitoramento contínuo do processo.
Desenvolvimento de projetos ligados a: recuperação de pastagens; plantio direto; integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF); fixação biológica de nitrogênio; e tratamento de dejetos suínos, tema inserido mais recente na agenda do Plano ABC. Sempre que possível essas ações estarão atreladas às ações nacionais de mitigação (NAMAs).
No plano de safra 2010/2011, já estão previstos R$ 2 bilhões com taxa 5,5% a.a.; no longo prazo há ainda outras linhas (como PRODUSA/PROPFLORA/PRONAF) para financiar os projetos citados acima. Grande parte do foco do plano é aumentar a eficiência do setor e a produtividade de fazendas, visando aumentar a produção sem a expansão física.

Ações de adaptação
Parte das ações de adaptação segue o mesmo processo de evolução dos projetos de mitigação, iniciando com a capacitação, assistência técnica e evoluindo para o desenvolvimento de novas tecnologias para reduzir vulnerabilidade, pagamento por serviços ambientais (PAS), aumento de resiliência e a preservação de recursos hídricos. Segundo Branca Americana, do Ministério do Meio Ambiente, os recursos a fundo perdido do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) serão destinados para as ações de adaptação.

Conclusões Finais
Dentre as principais tendências identificadas temos:

  • A questão de biodiversidade se tornará cada vez mais conectada às mudanças climáticas. Biodiversidade e carbono serão complementares nas próximas negociações, criando novas oportunidades para o desenvolvimento de projetos e metodologias de valoração de ativos.
  • Financiamento se torna um tema cada vez mais exclusivo de fundos multilaterais e bilaterais. O avanço alcançado no Acordo de Cancún, um fundo focado em países pobres, leva-nos a acreditar que fluxos de financiamento climático para o Brasil partirão de iniciativas como as do Banco Mundial, BID, KfW e BNDES, e não de fundos conectados à convenção. 
  • Mecanismos de mercado, entre eles o MDL, continuarão sendo de grande importância no futuro climático. Porém, as reformas a serem realizadas dentro do MDL são grandes e devem ser realizadas o mais rápido possível. Novas possibilidades também dão espaço a novos projetos, como Programas de Atividades e a padronização de linhas de base.
  • Provisão de alimentos é uma questão central dentro dos eventos paralelos, sendo de especial interesse de ONGs e outras instituições multilaterais como a FAO. A questão climática e a segurança alimentar começam a formar elos mais explícitos, mas que devem ser desenvolvidos com maior detalhe em um futuro próximo. 
  • Para o setor de transportes, destaque para a solicitação da Conferência ao Conselho Executivo (EB) de trabalhar nas linhas de base padronizadas para os projetos do setor no MDL. Em termos de redução de emissões, não foi definido nada específico, a única conclusão é de que a Associação Internacional de Aviação Civil (ICAO) e a Organização Internacional Marítima (IMO) devem continuar relatando seus progressos à SBSTA.

 
Os pontos mencionados acima são resultado da leitura dos eventos ocorridos na COP 16 pela equipe da Keyassociados. Para maiores informações, entre em contato com a empresa. Para updates  sobre o tema, visite o Blog da equipe no Portal Exame: http://portalexame.abril.com.br/rede-de-blogs/termometro-global/